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Coluna Vitor Vogas

O “novo Novo” (de novo): as mudanças do partido e seus riscos

Partido se cansou de limitar o próprio crescimento por conta das próprias normas. Mas, além da possível perda de identidade, flexibilizações já aprovadas ou a caminho podem gerar contradição entre o que prega e o que se pratica

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Da esquerda para a direita, Aridelmo Teixeira, Patricia Bortolon e Iuri Aguiar: o Novo no ES

Um partido Novo mais pragmático se apresenta para as próximas eleições municipais no Brasil e, especificamente, no Espírito Santo. Sem abrir mão de ideais programáticos – o liberalismo econômico acima de tudo –, o partido decidiu começar a flexibilizar purismos, vedações internas e restrições estatutárias que, na prática, representavam obstáculos autoimpostos para o próprio crescimento.

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“Vimos que temos que mudar a maneira de caminhar, mas com os nossos valores e princípios. Temos que nos adequar”, atesta o presidente estadual da legenda, Iuri Aguiar.

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Nesse sentido, o Novo agora se aproxima muito mais dos outros partidos na forma de atuar, lutando com as armas dos demais para atingir o objetivo maior de toda sigla: eleger seus candidatos. Afinal, um partido só cresce se alcançar mandatos nas urnas e exercê-los, para poder defender suas ideias com ressonância na sociedade (no Legislativo) e colocá-las em prática (no Executivo).

Ora, no Espírito Santo, o Novo até hoje não emplacou nem sequer um candidato a nenhum cargo eletivo. Nem sequer um vereador, em município algum.

Na última eleição municipal (2020), o partido só elegeu um prefeito no Brasil inteiro – o de ville (SC) – e somente 29 vereadores.

De 2018 para 2022, o número de deputados estaduais eleitos pelo Novo em todo o país caiu de 12 para 5. O de federais caiu de 8 para 3. A sigla não superou a cláusula de barreira, requisito para ter direito a uma cota na distribuição do Fundo Partidário.

Em nome da própria sobrevivência, o Novo decidiu começar a jogar com o regulamento eleitoral debaixo do braço, como qualquer outro partido – e esse “como qualquer outro partido” traz embutido um risco sobre o qual discorrerei mais à frente.

O “novo Novo”, então, capitulou e começou a fazer concessões.

Exemplo crasso: acabou aquele pudor em utilizar recursos públicos para se financiar – uma autoimposição que só prejudicava o próprio Novo, enquanto os outros partidos lhe agradeciam o obséquio. No supercompetitivo mundo da política, não há por que impor barreiras a si mesmo em benefício dos concorrentes. Se os vários empresários que compõem a sigla não fariam isso em seus ramos de negócio, por que fazê-lo no terreno eleitoral? Esse sentido de competitividade ou a prevalecer.

No dia 25 de abril, o Novo reelegeu o seu presidente nacional, Eduardo Ribeiro, por mais quatro anos. Como principais compromissos, ele destacou à imprensa uma reforma estatutária para os próximos meses e uma estratégia arrojada de expansão para as eleições municipais de 2024.

Segundo Ribeiro, a “meta ambiciosa” do Novo é multiplicar por dez o número de diretórios municipais no país, saltando de 30 para 300. “Nos últimos anos, nós cometemos o erro de não querer crescer”, reconheceu, pragmaticamente, o presidente nacional.

Em conversa com esta coluna, o presidente estadual da sigla, Iuri Aguiar, sublinhou algumas mudanças estatutárias bem importantes que ou acabam de ser aprovadas nacionalmente ou estão em vias de ser. Todas são apoiadas por ele. “O estatuto será mudado. Ainda não mudou, mas há um movimento para fazermos isso.” Vamos a elas:

Abertura maior para coligações

“Hoje temos uma abertura para construir coligações majoritárias com outros partidos”, destaca Iuri, fazendo questão de registrar um esclarecimento necessário: “A coligação no Novo nunca foi proibida. O estatuto dizia que a gente podia fazer coligação com partidos com os mesmos valores e princípios. Então criou-se um estigma”.

Vamos combinar que, com essa exigência de “partidos com os mesmos valores e princípios”, não sobrava ninguém, ou quase ninguém. Mas isso já começou a ser profundamente relativizado nas últimas eleições gerais, vide o caso exemplar de Romeu Zema, principal história de sucesso eleitoral do Novo. “Tanto que na eleição ada o Zema, nosso maior líder, reelegeu-se à frente de uma grande coligação em Minas”, corrobora Iuri.

De fato, em 2018, Zema surpreendeu o país elegendo-se governador do segundo maior colégio eleitoral brasileiro, com o Novo isolado. Já no ano ado, reelegeu-se em primeiro turno liderando uma coligação heterogênea que, além do Novo, somava nove agremiações.

Se alguém quiser considerar que PMN, PP, Avante, Agir, DC, MDB etc. comungam dos “mesmos valores e princípios do Novo”, fique à vontade, mas é no mínimo forçar a barra.

Foi puro pragmatismo, que é o que rege as decisões estratégicas de quase todos os partidos – os que realmente ambicionam sucesso nas urnas, pelo menos.

Vale lembrar que coligações para eleições proporcionais estão proibidas no país desde a reforma eleitoral de 2017.

Fundo Partidário: rendição aos rendimentos

Talvez seja a principal mudança, pois o tema sempre foi tratado como dogma no Novo. Até bem pouco tempo atrás, o partido, fundado em 2011, sempre havia se recusado a pôr as mãos em dinheiro público. Só aceitava autofinanciamento. A estrutura da sigla era bancada por doações dos filiados e simpatizantes – entre os quais um bom volume de empresários.

Assim, o Novo se negava a utilizar a cota do Fundo Partidário reada ao partido, desde 2015, na divisão do bolo entre as legendas com representação mínima na Câmara Federal.

Um dilema se impunha, porém: se o Novo devolvesse esses recursos para a União, sua cota seria redistribuída para os outros partidos. Então, os rees do Fundo Partidário para o Novo ficaram todo esse tempo aplicados em uma conta do Banco do Brasil, sem resgate nem saque, só rendendo.

Na última prestação pública de contas do Novo, em setembro de 2022, havia quase R$ 94 milhões aplicados nessa conta no Banco do Brasil.

Em convenção nacional no dia 28 de fevereiro, rompendo o próprio dogma histórico – ou rasgando a própria carta de princípios –, o Novo aprovou, com apoio de 85% dos membros, que a sigla poderá usar os rendimentos mensais dessa aplicação, para custeio das despesas relativas à manutenção do partido.

O Novo, portanto, rendeu-se aos rendimentos do Fundo Partidário.

“Antes tínhamos uma política de uso zero do Fundo Partidário. Agora já estamos usando. Isso foi aprovado por ampla maioria em convenção. Esse dinheiro foi liberado para a gente se manter e profissionalizar os diretórios”, explica Iuri Aguiar.

“Em termos de grana, o Novo não é um partido pequeno. É um partido médio”, assevera o dirigente.

Diferentemente do Fundo Partidário, o Fundo Eleitoral (vulgo Fundão), se devolvido pela agremiação, volta para os cofres da União e não é redistribuído. Por isso, o Novo devolvia sua cota do Fundão.

“Na eleição ada, devolvemos cerca de R$ 90 milhões no país”, relata Iuri. Segundo ele, uma nova política relativa ao uso do Fundão ainda não foi discutida internamente.

Reeleições

Hoje, o parlamentar do Novo só pode se candidatar à reeleição uma vez, em qualquer esfera legislativa (Câmaras Municipais, Assembleias ou Congresso). Não pode buscar engatar um terceiro mandato. “Isso deve ser mudado e liberado. Vamos trabalhar por isso”, afirma o presidente estadual.

Mudança de cargo no meio do mandato

Hoje o Estatuto do Novo proíbe um mandatário eleito de disputar outro cargo eletivo no meio do exercício do mandato. Ou seja, uma vez eleito, ele fica obrigado a cumprir o mandato até o fim.

“Se surgir a oportunidade de um vereador nosso ir para o Senado, por que não?”, exemplifica Iuri. “A gente pensa que isso deve ser flexibilizado”, defende o dirigente, expondo uma vez mais a sua linha mais pragmática de pensamento.

“Defendo essas mudanças, desde que não fique uma regra só dizendo que ‘pode’. No Novo tudo é muito bem escrito. Você vai ter que provar e explicar os motivos, para aí sim ser aprovado em convenção”, ressalva o dirigente.

Exigência para lançamento de chapas

Na última eleição municipal, em 2020, a direção nacional do Novo exigia o número mínimo de 150 filiados em determinado município para que a direção local pudesse lançar candidatos na cidade. Essa exigência, conta Iuri com alívio, foi engavetada.

A regra interna, recorda o dirigente, limitou os movimentos do Novo no Espírito Santo em 2020. “Isso é uma grande mudança. Não precisamos mais desse número mínimo de filiados.”

O Novo agora “vai ao mercado”

Em mais uma prova de que o Novo agora está determinado a lutar em igualdade de condições com a concorrência, o partido agora vai ao “mercado político” e ite filiar mandatários eleitos por outras siglas, em pleno cumprimento dos respectivos mandatos.

Exemplo emblemático foi a filiação, em fevereiro, do senador cearense Eduardo Girão, que estava no Podemos, mas elegeu-se em 2018 pelo Pros. Senadores podem trocar de sigla a qualquer tempo.

“Uma das grandes mudanças que têm ocorrido no Novo é que agora estamos trazendo pessoas com mandato, haja vista o senador Girão. E tem prefeitos e vereadores vindo para o Novo. Antes o estatuto vedava isso. O cara que estava eleito não podia vir.”

Na última sexta-feira (5), a página oficial do Novo dava “as boas-vindas” a Alê Ferraz, vereador de Governador Valadares eleito em 2020 pelo DEM.

Os riscos: perda de identidade e incoerências

Uma boa dose de realismo e de pragmatismo não faz mal a ninguém, ainda mais na política, desde que não se suprima totalmente o idealismo que era a base da receita. Pelas mãos de empresários ultraliberais, o Novo nasceu em 2011 cheio de princípios e ostentando um discurso de que tinha chegado ao cenário nacional para fazer tudo de um jeito próprio e diferente das “velhas práticas” da “velha política”.

Ao buscar se aproximar dos demais partidos na forma de jogar o jogo eleitoral, lutando com as mesmas armas dos adversários e concorrentes, o Novo não faz nada de ilegal ou ilegítimo, pelo contrário. O risco que corre, porém, é o de acabar se igualando demais aos demais… nivelando-se a qualquer outro partido e renunciando ao que lhe tornava diferente, ou à diferença que ele mesmo se arrogava… deixando, em última análise, de ter qualquer coisa de “novo”.

Além de se distanciar gradualmente dos princípios em que se funda o partido, o Novo pode acabar deslizando para a vala comum partidária, incorrendo na mais anciã de todas as “velhas práticas” da política brasileira: incoerência entre discurso e prática.

O exemplo mais gritante é o do uso do Fundo Partidário. Desde a sua fundação, o partido se recusava intransigentemente a encostar o dedo em dinheiro público, como se isso constituísse um pecado mortal. ou anos a demonizar o financiamento público de partidos e de candidaturas.

Agora, de repente, transigiu.

Para o presidente nacional, Eduardo Ribeiro, a mudança é uma questão de “competitividade frente aos nossos concorrentes”. Pragmatismo em estado bruto. E, conforme sustentado aqui, não há nada errado nisso.

Não se pode ignorar, por outro lado, que a recusa radical em se render ao uso de dinheiro público era a pedra fundamental do Novo, cujos militantes aliás se orgulhavam muito dessa “marca de distinção”. A página da sigla ostentava: “O Novo é [o] único partido que não utiliza recursos públicos para sua manutenção por uma questão de princípios. Acreditamos que os partidos devem ser financiados por aqueles que compartilham suas ideias e valores”.

Na mesma página, ainda se lê: “O Novo é um partido de ideias, princípios e valores”.

Com a mudança radical do maior desses “princípios e valores”, os velhos militantes do Novo precisam itir que, das duas, uma: ou o partido agora está errando ou na verdade ou esse tempo inteiro errado com relação a este ponto.