Coluna Vitor Vogas
Guarda ou gasta? A polêmica da grana poupada pelo governo Casagrande
Manato, Guerino e Audifax criticam em bloco a poupança bilionária feita pelo atual governo, mas governador se defende: “Foi com essa visão que o Rio e Minas quebraram”
Já nos meses que antecederam a campanha, uma crítica era comum e recorrente entre adversários do governador Renato Casagrande (PSB) na eleição ao Palácio Anchieta: a de que o atual governo está se preocupando demais em poupar dinheiro para fazer caixa em vez de investir esses recursos em políticas sociais urgentes para tirar da pobreza a população capixaba que mais necessita do Estado.
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Segundo os principais oponentes de Casagrande, de nada adianta o governo apresentar equilíbrio fiscal, fazer superavit primário (isto é, gastar menos do que arrecada), ter dinheiro “sobrando” no caixa do Tesouro Estadual e ter criado um Fundo Soberano, enquanto hoje existem, por exemplo, mais de 1 milhão de capixabas vivendo abaixo da linha da pobreza – aproximadamente, um em cada quatro habitantes do Espírito Santo.
Nesta segunda-feira (29), essa crítica voltou a reverberar, em alto volume, na série de sabatinas promovida pelo Fórum de Entidades e Federações representantes dos empresários capixabas com os quatro candidatos a governador que pontuaram melhor na pesquisa Ipec/Rede Gazeta divulgada no dia 17 de agosto.
No Diálogo com o Setor Produtivo, como foi chamado o evento organizado por Findes, Faes, Fecomércio, Fetransportes e movimento ES em Ação, os empresários sabatinaram, nesta ordem, no Hotel Senac Ilha do Boi, os candidatos Audifax Barcelos (Rede), Carlos Manato (PL), Guerino Zanon (PSD) e Renato Casagrande (PSB).
Os três primeiros, em uníssono, argumentaram que não faz sentido o Governo do Estado poupar dinheiro e ostentar a “nota A” em saúde fiscal enquanto um quarto da população capixaba vive tecnicamente em situação de pobreza e enquanto muitos capixabas enfrentam insegurança alimentar e, literalmente, am fome.
Manato: “F de fome”
“É um Espírito Santo que está aí classe A, nota A, maravilhoso… Para que é classe A? Classe A é para você pegar mais dinheiro? Muito bem! E o lado social? Cadê o lado social que tem que entrar paralelo? Cadê o lado social que nós tínhamos 740 mil pessoas na linha da pobreza em 2021 e hoje nós temos 1.000.070 pessoas? Cadê o lado social que nós temos 349 mil pessoas na miséria?”, questionou Manato, diante de uma plateia formada predominantemente por empresários.
“Este estado é o estado classe A, mas é o estado F da fome”, completou o candidato do PL, destacando a geração de emprego e renda como forma de combater a pobreza.
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Guerino: “caixa para engordar banqueiro”
Já Guerino, em suas considerações finais, também aludiu aos quase 1,1 milhão de capixabas que estão vivendo na pobreza ou na extrema pobreza (miséria). “É como já dizia lá em 1940 Josué de Castro, que deu origem à ‘Geografia da Fome’. Vocês se lembram bem que o Betinho tanto trabalhou isso. Ele falava: a miséria é uma produção humana, não é obra de Deus. E, se ela é uma produção humana, nós temos a responsabilidade de acabar com ela neste estado, um estado tão rico como o nosso. Não podemos esperar uma bênção do céu para acabar com a pobreza”, disse o candidato do PSD.
“Não tem sentido você ter um econômico forte e um social como temos hoje. Não é justo recursos entrarem no caixa da prefeitura e ficarem parados por três anos. Dez bilhões, enquanto um milhão de pessoas [estão] ando fome neste estado. Dinheiro público tem que entrar em uma conta e sair na outra em benefício da sociedade. É assim que eu vou atuar. É para isso que vocês pagam os impostos. É para isso que é retirada a contribuição dos trabalhadores também. Não é fazer caixa para engordar banqueiro ou quem quer que seja. É para ser devolvido à sociedade. A atual istração do Estado guardou o dinheiro, dando lucros a poucos durante três anos, como eu disse, vendo a pobreza sair de 8% para 20% [da população capixaba]. Isso é desumano. É vergonhoso para nós!”, criticou o ex-prefeito de Linhares.
Audifax: “Muito dinheiro que não foi usado”
Em sua vez de ser sabatinado, o candidato da Rede, Audifax Barcelos, apresentou números que já havia exposto em sua entrevista ao EStúdio 360 Segunda Edição, na última quarta-feira (24). Segundo o ex-prefeito da Serra, o governo Casagrande fez superavit de R$ 3 bilhões em 2020 e de R$ 6 bilhões em 2021
“É muito dinheiro que não foi usado”, afirmou ele na entrevista à TV Capixaba. “Pra mim, falta gestão. Dinheiro está mais do que provado que tem, e muito. […] É um absurdo a gente ter um superavit de R$ 6 bilhões, com tanta gente ando fome, desemprego, caos na saúde, caos na segurança e dinheiro sobrando neste estado.”
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Casagrande: “Isso é capacidade de gestão”
Último a ser sabatinado pelos representantes do PIB capixaba, Casagrande não deixou a crítica coletiva dos adversários sem resposta. Em suas considerações finais diante do empresariado, o governador se defendeu:
“Ter dinheiro é fundamental”, disse ele, ao citar os leitos de hospitais privados e filantrópicos adquiridos pelo Governo do Estado para internar pacientes com Covid-19 no ápice da pandemia, além do pioneirismo do Espírito Santo na aquisição de vacinas contra a doença. Ele defendeu a poupança estadual como uma precaução fundamental para o governo fazer frente a despesas completamente imprevistas, geradas por desastres ambientais, por tragédias humanitárias e até por medidas aprovadas no Congresso:
“Vejo que alguns adversários criticam o fato de a gente ter uma poupança. Mas poupança é fundamental! Agora mesmo nós vamos deixar de arrecadar R$ 1,6 bilhão por ano, com a redução do ICMS [sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações]. Eu, na mesma hora [no fim de junho], apliquei a lei aprovada pelo Congresso Nacional. E só pude fazer na mesma hora porque eu tinha dinheiro para fazer, senão não teria condições de fazer. É preciso ter dinheiro para a gente poder enfrentar chuvas, pandemias, um Congresso que não faz um debate federativo.”
Após a sabatina, em entrevista a um pool de jornalistas, Casagrande desenvolveu o argumento.
Ele confirmou que, hoje, o Espírito Santo tem cerca de R$ 6 bilhões livres em caixa. Mas livres, livres mesmo, para o governo gastar (ou não) como quiser, são R$ 3,2 bilhões. Isso porque, desse montante, mais de R$ 2 bilhões são recursos já empenhados, mas ainda não liquidados (ou seja, recursos já reservados para pagar determinada obra ou serviço, mas cujo pagamento ainda não foi executado).
Esse “colchão financeiro”, explica o governador, é fruto do superavit obtido nos três primeiros anos da atual istração. “Nós fomos economizando ao longo do governo, não aumentamos despesas de custeio e fizemos uma boa gestão do dinheiro.”
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Segundo ele, a folha de pagamento do Estado é de aproximadamente R$ 650 milhões por mês hoje em dia. Isso além dos compromissos financeiros assumidos com fornecedores. O tamanho da “reserva de segurança” é calculado com base nesses compromissos, de tal modo que o governo não corra nenhum risco de atrasar seus pagamentos, levando em conta todos os imprevistos a que está sujeita a istração pública:
“É bom a gente ter de dois a três meses de recursos guardados para a gente nunca atrasar pagamento de fornecedores e nunca correr o risco de atrasar pagamento de pessoal. Ao mesmo tempo, a gente enfrenta as intempéries. Tivemos Brumadinho em 2019, as chuvas do início de 2020, a pandemia, agora a redução do ICMS… O Estado tem que trabalhar com segurança”, argumentou.
“Isso é capacidade de gestão. É dar segurança à sociedade que estamos representando. Eu não sei o que vai acontecer com este país. Eu não sei que crise nós vamos enfrentar numa política tão polarizada e tão instável como nós temos neste país. Então é mais do que natural que, cumprindo com as minhas obrigações, eu possa ter algum recurso poupado para enfrentar as crises que poderemos ter no decorrer dos próximos meses.”
Casagrande comparou a situação do Espírito Santo com a do Rio e a de Minas Gerais, argumentando que os estados vizinhos quebraram justamente por conta dessa visão de que é preciso gastar tudo o que se tem em caixa:
“Foi com essa visão de que a pessoa tem que gastar tudo o que está no caixa que o Rio entrou na situação que entrou, que Minas Gerais entrou na situação que entrou. Então Minas Gerais e o Rio estão ficando pra trás, enquanto o Espírito Santo é referência. É a visão de que você tem que consumir tudo o que tem sem se preparar para o que pode vir pela frente. Imagina se eu não me preparo para a perda de arrecadação de ICMS. Quantos estados entraram na Justiça contra essa medida, enquanto nós aplicamos a nova lei na mesma hora?”
Ainda de acordo com o governador, mesmo poupando parte da arrecadação, seu governo não deixou de investir no combate à extrema pobreza e em obras de infraestrutura. “Em nosso programa de transferência direta de renda, o Bolsa Capixaba, para tirar famílias da extrema pobreza, o investimento ou de R$ 22 milhões por ano para R$ 75 milhões por ano. E estamos investindo mais de R$ 6 bilhões em obras de infraestrutura, o maior investimento da história deste estado. Então é bom a gente ouvir isso. Fico feliz que haja essa crítica, porque é uma crítica a quem faz uma boa gestão”, completou.
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